"E não maltrate muito a arruda, se lhe nçao cheira a rosas..."

sábado, 29 de dezembro de 2012

Para chuva, com amor...

Não lembro do seu choro. Isso porque há tempos meu solo traz alguns pedregulhos com barro batido. Resquícios seus. Não quero culpá-la pela minha dureza, nem pelas flores que eu não sirvo, mas quero alertá-la para as maldades do mundo que insistem em levá-la ao céu. Quando fico em alerta, meu corpo cede, abre rachaduras finas que vão se alongando com o tempo. Corre o risco de prender o pé em meu peito e derrubar sobre mim seu peso. Isso doi bastante. Não tê-la é um sacrifício desgastante. Tudo resseca. Morre. Ameaça. E quando penso que minha reserva de água está por secar, o corpo, num desafio de sobrevivência, espreme gotas das raízes, fazendo-me sufocar. Não sei o motivo do castigo. Passei um tempo te provocando, evocando seu barulho, em silêncio. E você correspondia. Você me acompanhava. Há quem julgue-me como enterrada ao passado, uma carcaça fétida, rumo ao desengano. Mas isso não é verdade. Você anuncia no altar dos sonhos sua chegada. E eu, sorrindo, abro os olhos. Enganada. Só te peço, querida, não mastigue meu suor com tanta fome. Não te peço apenas uma lágrima. Quero banhar o rosto e soluçar contigo. Quero lavar a alma e recomeçar.

Por Ana Paula Morais


sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Eu gostaria

Eu bem gostaria de desentender a solidão, partindo do que há de mais complexo em ser humano. Isso porque o que afirmamos diariamente com bons modos, respeito, educação, cai por terra na falta de ouvidos, olhos ou faces remendadas. Essa tal solidão fixada na mente, não desaparece, ora pois, no meio desses ouvidos, olhos ou faces remendadas.

Eu gostaria que essa farsa de sentimentalismo e companheirismo contínuo desabrochasse sem utilizar como predisposição o outro.

Eu gostaria de desentender essa mera importância do outro em nós. Essa necessidade de preenchimento, espontaneidade que nos colocam para expormos nossas babaquices e crendices.

Eu gostaria de desentender o constante sofrimento alheio, o vazio que carregam consigo por seu anseio de amor, de amar, de se amar.

Eu gostaria de idealizar o amor, trazendo sua forma não aceita, bruta, concreta. Isso me traria angústias menores, entregas às cegas e a morte do sensato.

Eu gostaria de desentender, mais ainda, aquilo que teimo estar. Porque só assim, não haveria culpa, mal estar ou arrependimentos. Haveria espaço para o real, para nosso núcleo e voz insconsciente. Dizem que é fundamental nosso auto-conhecimento, mas acredito que é mais doloroso do que a arquitetura da nossa felicidade.

Eu gostaria, pois, de desentender tudo que listei, mas acontece que fui treinada desde a infância a pensar nos outros antes de mim.
Ana Paula Morais 

domingo, 9 de dezembro de 2012

O aborto do amor

           Certa ocasião merecia desprezo. Mas foi cumprimentada pelo respeito ao passado. Com dúvidas e reticências, a primeira palavra foi proferida.
- O que trazes aqui? – pergunta, trêmula, Alice.
- Ainda não sei, Alice. – Responde ao mesmo tom, Otávio.
            Alice baixa o olhar. Espera por alguma reação, já que durante anos o silêncio respondeu por si só suas tragédias.
- Como pode vir a mim, após tanto tempo, ainda sem certezas? – Indaga, Alice.
- Eu tentei... – Otávio se perde em suas próprias conclusões.
            Alice está calada. Não consegue admitir que seu corpo inteiro demonstra desejo. Ela repete a negação em mente, enquanto Otavio a olha novamente.
- Não tive o que fazer, Alice. Simplesmente as coisas tomaram rumos diferentes...
            Alice continua calada. As palavras parecem atropelar os pensamentos e ela teme por falar o inconsciente mais uma vez.
- Sinto sua falta... Mas não posso... – Diz Otavio, reticente.
- Suas palavras nunca me fizeram falta, Oto. Não é agora que irão fazer.
 [Não aceito ele me perturbar assim. Não depois de tudo que vivi, de tudo que senti. Vou embora]
- Era só isso? – Pergunta Alice um tanto ácida.
- Não, Alice... Não se ofenda, por favor. Só quero ter a certeza de que nada irá se comparar ao que vivemos. Nada.
[O que ele veio fazer aqui? Arrancar-me a realidade e plantar sonhos inalcançáveis? Não. Isso não]
            Alice tira os cotovelos do joelho e se levanta. Não há o que se pensar. As folhas mudam. Os ventos mudam. O passado também muda. Sinto um cheiro de presente e reconforto. Oto não é mais o mesmo. Tem uma aparência cansada e infeliz. Diferente de anos atrás, da alegria estampada na pele.
- Do que adianta essa certeza?
            Otávio não me ama. Pergunto-me se algum dia me amou. Se todos os sonhos se diziam reais. Das promessas frágeis, findáveis, ingênuas. Certos acontecimentos nos remetem ao desespero. Certas alegrias inflamam a tristeza escondida. Certos amores cobrem a ferida, mas não curam a dor. Oto está perdido consigo mesmo. Não consegue admitir os erros a mim tramados. A vida não aceita retalhos. Alice está abatida, visivelmente transtornada pelo amor abortado. Não consegue sequer disparar murros em Oto. Os murros seriam beijos. E os beijos, o recomeço.

  Por: Ana Paula Morais

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Cinquenta tons de cinza e nada além disso

É certo que tive preconceito com essa série dos Cinquenta Tons de Cinza. Isso porque vi um trecho em um site da Revista Marie Claire, e achei muito batido, objetivo demais, além de infantil. Na hora, neguei qualquer vínculo com o livro. Mas, como ganhei de presente, tive que fazer as honras lendo o livro. Como diz, quem me presenteou: "Leia e critique com mais propriedade". Pois bem, aqui relatarei minhas constatações à primeira impressão do livro "Cinquenta Tons de Cinza"

Pra quem ainda não conhece, eis os detalhes:

Cinquenta Tons de Cinza (pt-Brasil) ou As Cinquenta Sombras de Grey (pt-Portugal) ou Fifty Shades of Grey (en) é um romance erótico bestseller da autora britânica Erika Leonard James publicado em 2011.
Os segundo e terceiro volumes são intitulado Cinquenta Tons Mais Escuros e Cinquenta Tons de Liberdade, respectivamente. Cinquenta Tons de Cinza está entre os mais vendido de uma trilogia que soma mais de 40 milhões de cópias em 37 países, ultrapassando o Harry Potter e o Código Da Vinci no Reino Unido.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cinquenta_Tons_de_Cinza

Bem, a história é de uma jovem de 21 anos, chamada Anastasia Steele, que está se formando em Literatura e que, após entrevistar Christian Grey , para um jornal da faculdade, se apaixona por ele. Christian então, mostra-lhe um mundo envolvido em sexo e submissão, em que Anastasia seria sua escrava sexual.

Nas primeiras páginas do livro, percebemos a acessibilidade da escrita para com os leitores. São termos ligeiramente corriqueiros, ratificando uma tradução pobre, mas bem objetiva. A história começa, e oscila entre algo muito ruim e algo tragável. Há momentos de risos? Sim, há. Porém, são esmagados pelos parágrafos alienados e personagens surreais dentro do livro. A personagem Anastasia mais parece uma jovem fora do mundo real e recheada de sonhos infantis. Nunca namorou, nunca se apaixonou e se apaixona por um homem rico e lindo. Nada diferente do que vemos nas novelas e estorinhas da TV. Além disso, é virgem, não tem celular, mas tem um fusca. Absurdamente uma personagem fora do contexto, para onde se passa a trama: Seatle. Christian Grey é um milionário, jovem, misterioso e atraente.

A personagem se descobre sexualmente com Christian. Ela aceita se submeter a práticas sexuais masoquistas, e, induzida por Christian, descobrir seu corpo e prazeres. Não irei fazer uma crítica aqui ao machismo contido no livro, visto que não foi essa a proposta do livro, penso, eu. As atitudes de Anastasia são tão ingênuas que acaba deixando a história morna, por vezes, patética, diante dos nossos pensamentos enquanto realizamos a leitura.

Mas, e o título do livro, a que se deve?
Bem... Essa é uma ótima pergunta. Mais uma coisa descoberta no livro sem qualquer ligação lógica com a história.

A leitura do livro é fácil. A história rende uns risos, mas não passa disso. Penso que toda a fama e venda exorbitante que o livro teve, deve-se a pouca literatura erótica escrita. Muitos são os paradigmas ainda a ser quebrados. A hipocrisia que guardamos frente a um mundo opressor é lançada ao vento quando nos deparamos com leituras como essa. Pra quem quer ajudar a se conhecer sexualmente, retornar à adolescência de uma maneira extremamente ingênua e passar o tempo, leia "Cinquenta Tons de Cinza". Mas para quem quer ir além da objetividade, tomar trechos como leituras de vida ou sentimentos e para quem preza um bom livro, espere ganhar o livro. Por via das dúvidas, não sairá do seu bolso, caso não goste.

Sei que não posso julgar fielmente uma trilogia baseada em um livro. Mas creio que nada de mais proveitoso estará escrito nos outros. Posso estar errada? Sim, claro. Então aguardo os dois seguintes.



sábado, 10 de novembro de 2012

Por ti, canto!

Quero-te como um pranto quente me queimando viva,

Percorrendo leve e beijando a face
Banhando inteira, minha boca livre.

Espero-te como a paz aguda a pertubar a terra,
Branqueando sonhos, arqueando vida,
Preenchendo a alma, curando a ferida.

Relembro os beijos quentes na noite morna,
Enquanto estás livre do meu alcance,
Retorno breve, desta noite, é a prece.

Mas mesmo longe, sinto seu odor,
Na escuridão das pálpebras frias,
Rosnando alto: “Alegria, Alegria”.

Por: Ana Paula Morais 


sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Segue

Cinza cor dos meus olhos
tempo de chuva me encontrou
trouxe prisão e solidão
à mente afogada no passado.

Levou o presente tão latente,
trouxe desejo e frio ao peito,
que já tinha os levado ao próprio enterro.

Afoguei o juízo na nuvem pairada
rezando insana, por ti meu amor
apoiada em mim, sem luz, nem dor.

Devolve a terra para em ti soterrar,
levar teus sonhos que a mim pertuba,
livrar-me de vez, do teu som, resoluta.

Por: Ana Paula Morais
 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Proteção Divina

Enclausurada, partiu a alma para não incomodar,
fez pirraça, dançou de graça, não quis voltar.
Levou a razão, deixando a vida e coração,
em prantos miúdos, surgiu no mundo
como quem é filho da criação.

Por que a tormenta, em tal amada ilusão?
Se passo contente, feliz e carente, 
cada sentida ingratidão!

Leve-me em suspiros, mas deixe meu corpo e pés no chão, 
tão meio sorriso, não esta pronto para essa paixão.
Eu sei da vida e dos contos sanados em reflexão,
mas meu coração menina, confuso vivia
na palma da tua mão.

Surjo e esmoreço a cada palavra tua,
menina mulher, com o ventre em chamas,
só clama ternura.

Partirei inflando, na certeza de teu ser,
abrir meus caminhos para me proteger.
Abençoe minha vida, pés e mãos,
que mais longe encontrarei
o caminho do teu coração.

Por: Ana Paula Morais



quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Quase um sonho

Lavada as mãos, carinhosamente toquei o rosto. Aquela face doce me inspirava a instigar sorrisos pela praça. Prendi o cabelo com um laço amarelo, dei duas voltas fazendo um rabo de cavalo. Nunca gostei muito de amarrações tradicionais com rabicós coloridos, vendidos aos montes. Gosto dos tecidos simples, que dão cor e graça a quem decide usar. Meu vestido rodado tem lá suas armações. A meiguice contida na face dá lugar à outra imagem entre as pernas.

Pisei leve na calçada por conta do cimento fresco. Fui até a rua seguinte, sentindo o vento levantar os babados do vestido. Imaginei-me às margens de um rio, molhando os dedos e as pernas, o vento frio do fim de tarde. A água percorrendo o corpo macio, cheirando a pêssego. O perfume acarinhando o rio, como uma leve brisa na superfície, criando uma proteção entre o sonho e a natureza. 

- Ó, Mestre, que me negas nesse dia deixando-me afogar nestas águas? 

Sinto um carinho leve nos cabelos, como um aconhego de um bem amado. Acordei atordoada com a água lambendo-me o corpo.  

Por Ana Paula Morais


terça-feira, 21 de agosto de 2012

Resolvi

Resolvi me vingar,
dos frutos perdidos em pleno verão,
das águas perdidas caindo da mão,
do mundo partido, já sem coração.

Resolvi encarar,
as vistas amargas lançadas ao ar,
os erros singelos em querer amar,
a gota de sal cortando o olhar.

Resolvi recordar,
os abraços contidos ainda na infância,
as quedas sofridas sem olhar de vingança,
os sorrisos sinceros entre duas crianças.

Resolvi me vestir,
das linhas cruzadas num aperto de mão
abrir espaço ao amor, alegria e perdão,
festejar todo bem causado ao coração.

Por Ana Paula Morais 

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Assim que te quero

É assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes
e como arranjas
os cabelos e como
a tua boca sorri,
ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada,
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde
vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz
e sombra és.
Chegastes à minha vida
com o que trazias,
feita de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro. 

Pablo Neruda